quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A crise do discurso neurótico



SULAMERICANA VISION
APRESENTA: VERÃO TROPICALAMA C/ PAI MÃE FILHA PRIMA E MUITOS OUTROS.

Desde cedo escolhi o lápis como instrumento de expressão. Lembro que sempre me assustou o fato de “escrever para sempre”, representado pela caneta. O conserto do erro, a borracha, a maleabilidade, o não-eterno, o recombinável sempre me interessou. Já como leitor foi a alguns anos que descobri o “highlight”. Samplear pedaços que antes eram recortes de revistas que criavam frases para as fitas cassetes que gravava às minhas amadas: Bricolage pura e simples para impressionar com a obra (merda) dos outros. Exploro, portanto a questão da autoria. No meu caso autoria a lápis e highlight da viagem a Tropicalama. Poderia ser sobre uma festa rave ou mesmo algum outro evento munido de um potencial místico ou revolucionário. Mas é só uma viagem de uma família. Quem escreve portanto são todos. A começar pela pousada Colibri, para onde estamos nos dirigindo. Espero que esse texto sirva também de guia aos futuros viajantes. A caneta eternaliza o que nem sempre é verdadeiro. Alias o que será verdadeiro no mundo das bricolages? Minha trilha sonora original está sendo preparada em meu novo I Pod Chinês com 2 GB. Infelizmente essa versão por ser tratar de uma cópia mais barata não possui o modo randômico o que me mantém a uma ordem da caneta. Tem musica pro pai, pra mãe, pra filha e até pros avós. A conta do banco assusta, mas como todos os terceiro mundistas tropicais, já nascemos com uma divida externa e interna. Eu vou fingir que não vi o vermelho assustador e viajar como se essas dividas não fossem minhas. “Algum conselho para minha viagem?” perguntei ao I Ching. A resposta foi: “A posse do grande” TA YU Como obedece à vontade do céu, faz tudo no tempo certo, disse o oráculo. Nove na segunda “Uma grande carruagem com sua carga. Ter algum destino em vista, não envolve erro. Uma grande carruagem pode carregar muitos bons. Isto sugere virtude acumulada e ajudantes hábeis aos quais podemos confiar grandes responsabilidades. Em qualquer direção que o avanço for feito, não haverá erro.”A viagem indica outro hexagrama para o futuro: R’UEI – O Antagonismo (desunião) homem e mulher são Antagônicos mas grande mesmo é a ação do tempo do Antogonismo. Na convivência com os homens, o nobre preserva sua particularidade. No fim sorte. Conservar as grandes posses só traz prejuízos. Enfim cheguei!!! O dono da pousada, ironicamente, me diz que o caminho ao paraíso não é fácil. E realmente não foi fácil. Minhas costas doem por ter carregado a mala da família toda, quando não carregava um próprio membro da família, minha filha de 3 anos e quase 20 kilos de puro encantamento. Eu que pensava não fumar cigarros comprei mais um maço de cigarros no desejo inconsciente de ficar com os dentes pretos. Como é que alguém pode pensar nisso em pleno paraíso? Como pode um desejo tão pequeno interferir numa sensação mística de completude que Tropicalama nos exalta? Dente preto no paraíso? Dormir e acordar, ciclo musical previsível, que nos acende a esperança de metamorfosear seus desejos de ter dentes pretos em algo mais branco, puro e maniqueisticamente falando: Bom. O vento é comunicação, uma forma de tudo entrar em contato com tudo. Isso traz a conclusão de que as teorias de rede criadas após o advento da web não são absolutamente novas. É lógico que se trata de uma nova perspectiva de comunicação mas é inegável que a “consciência do vento” faz com que seja impossível imaginar-se só, isolado dos outros seres vivos e mortos, tudo se conecta através do vento. A musica assim como o vento, só se faz sentir nas mudanças. Nota-se a música quando esta saí do previsível e algo inesperado acontece. Não fosse assim teríamos uma formula única para a criação dessas músicas/ ventos. Qual a velocidade (BPMs) da música/ vento? Essa seria a única pergunta em questão, o que nós, admiradores de música sabemos que não é a única coisa em jogo. Outro exemplo disso são as próprias férias. Pensei certa vez, junto a outro amigo, em abrir uma empresa que se chamaria FÉRIAS S.A. A ironia dessa idéia se dá pela sua inviabilidade. Como ter férias numa empresa que se propõe estar sempre em férias. Que música seria essa que é composta somente das quebras do previsível. Vou tentar explicar melhor. Se a vida/ musica/ vento se faz sentir nos movimentos metamorfoseantes, seria lógico tentar viver numa eterna férias. Porém as férias só fazem sentido para quem trabalha. Sem a constância da música, o 4x4, a teoria musical como um todo, não temos essa sensação revigorante da mudança dos ventos. Os primórdios da música eletro-acustica ao perceberem isso criaram uma musica somente de ruídos, sem rítimo, sem batida, sem BPM. Muitos até hoje podem chamar tais experimentos como anti-música. A anti-música, assim como a férias S.A. , vira também um tipo de continum, de outro tipo de previsibilidade. O que diferencia as férias eternas da vida de um desempregado? Ao preferimos o vento em detrimento dos sistemas artificiais de controle de temperatura, que buscam que as pessoas não sintam as mudanças de temperatura, estaríamos também, escolhendo o som (eletroacústica/concretos) muito mais do que a música (4x4), ao mesmo tempo em que estamos também optando pela utopia das férias S.A. Aqui no verão de Tropicalama todos estão felizes e por isso acreditam que a manutenção dessas férias poderia ser eterna. Porém o verão termina e todos voltam aos seus 4x4’s, seus cotidianos infernais que precisam desesperadamente de umas férias. E assim, a cada ano temos novas idéias de mudanças geradas nas férias de verão. Alguns preferem não sonhar e ficam perto de casa, mantendo-se no frio de um ar-condicionado. Dessa forma sofrem menos quando o inverno vem. Eis que as criativas férias se vão e o trabalho se inicia novamente. Alguns dos mais interessantes movimentos artísticos como a Bossa Nova nos anos 60 , as Raves nos 90, entre vários outros exemplos são tentativas de manter-se numa eterna férias. “Assim, no desenvolvimento do hip hop, a prática do duelo, originada, voltando ao passado, nas cifras nos pátios das escolas – sessões de rap” Competitivas e informais, com os rappers revezando na demonstração de suas habilidades – transforma-se em uma forma institucionalizada de “disputa’, a partir do momento em que o governo do dinheiro assume o controle”. (Pittman) in hip hop e a filosofia. No exemplo do hip hop fica claro que o que era novo torna-se previsível quando é institucionalizado. E a pergunta que fica é se existe alguma opção de fugir dessa sina. Para fugir disso podemos pensar simplesmente no evento, na mixagem, na união do sintético e do orgânico. Férias S.A. e muita tecnologia para continuar viajando. Quem paga a conta talvez seja a principal questão dessa utopia da vida dos ventos. Enquanto isso aqui na pousada a conta já está paga e portanto continuo aproveitando meus dias de Tropicalama . Meu foco são efeitos sociais da música e não se essa é ou não eletrônica. No fundo, para mim, junto a uma admiração quanto a técnica apresentada o que mais me chama atenção é a capacidade da música aglutinar pessoas de forma a criar, ondas sonoras que ao atravessarem todos no evento, em que está sendo escutada, assim como o vento, cria um micro ou macro espaço delimitado por essas ondas/ventos. Eis que um simples batuque num local paradisíaco como Tropicalama, é capaz de aglutinar pessoas ao seu redor, que trocam informações afetivas. Outros dormem e não participam dessa rede. Hoje meus pais chegaram. É engraçado perceber que juntando toda família, filha, pai, mãe, avô e avó, percebemos a interligação entre todos. Eu que já fui eu hoje sou pai da minha família. Na verdade eu era filho e agora sou pai. Mas ao ter meus pais por perto percebo novamente que sou filho ainda. Os avós que já foram somente pais hoje se vêem como avós mas nada tira, a comunicação deles ainda serem pais. Minha filha de 3 anos brinca que foi ela quem me fez. Na verdade ela esta certa já que ela, por enquanto, é a única responsável por eu ser pai. Bom, não a única afinal a mãe teve papel fundamental. Para ela porém o pai e a mãe são uma coisa só, que ela foi a responsável por fazer. Mais uma vez o orgânico me ensina sobre redes. Ensinamentos tropicalistas de férias S.A. O hip hop assim como a filosofia não me esclarecem todas as questões. Acabo de tomar uma picada de inseto que pode ser fatal... Sinto o ferrão ardendo e não sei se sobrevivo. Só sei que não estou pronto para o fim. A angustia de não ter vivido é a questão central. E viver depende da rede. Família, amigos, trabalho, estado, país, planeta etc, devem participar desse processo de viver emancipatório. Como é que eu vou conseguir ser parte da rede se não há escolha ? Se a responsabilidade sobre a qualidade do evento apresentado depende de todos, a “consciência do vento” nos obriga a ter uma ação coletiva. Férias com a família. Se, como disse anteriormente, o prazer da musica, ou todo o prazer está nos movimentos transformadores, nas mudanças de ventos então a rede deve ser maleável. Se os laços dessa rede dependem desse grau de satisfação dos participantes, devemos criar o máximo de movimentos (ventos) nessa rede. O que o hip hop me ensina é que o grau de violência desses movimentos transformadores devem ter um limite ético claro. Se o grau de violência mata os próprios protagonistas, a arte repete a vida. E se existe uma função para a arte é de ajudar nesses novos ventos. A calma de Tropicalama é violenta. Gatos são assassinados por outros gatos e os homens continuam a matar tudo o que lhe/nos dá prazer. As pacas estão terminando na ilha de Tropicalama. Hoje foi um dia de festa da comunidade local. Acabo de voltar da vila onde ocorreu um tipo de ritual para a queima do presépio. É o fim de um ciclo. Daqui da pousada escuto perfeitamente o som da música que está sendo tocada. O som é percussivo, um tipo de maracatu, coco, samba de roda etc. Mas de dentro do banheiro ouço outro som. Parecia alucinação mas de repente percebo que o elemento estranho que transforma a música em uma espécie de música eletrônica com rítimos regionais é na verdade causado pela interferência do som do ventilador. Ao fazer movimentos circulares o ventilador cria um groove, um loop que encaixa perfeitamente com a música que escuto de longe. Essa música que só eu escuto, tem toques de música concreta pois a descarga ao gotejar cria outra atmosfera sonora. Penso assim na música eletrônica. O ventilador é o eletrônico, o som não orgânico, produzido por uma máquina que se repete, como todo ciclo industrial. Se meu pai até hoje desconsidera a eletrônica como música é exatamente porque parece difícil aceitar um ventilador como uma coisa que produza um som que seja música. Música pressupõe, classicamente, a teoria musical e toda sua previsibilidade. Não que o ventilador seja imprevisível, mas as variações de corrente elétrica unidos a diferente resistência dos materiais em diferentes pontos do ciclo de movimento do ventilador, tornam esse som um pouco mais interessante. É daí que parte, a eletrônica na música. Historicamente os pioneiros dessa tentativa de usar elementos eletrônicos, próprios das máquinas e ruídos de todos os tipos em algo chamado de música tinha objetivos teóricos extremamente interessantes. Se somos todos neuróticos e a principal características dessa categoria psíquica é a necessidade de previsibilidade, é normal que tenhamos uma música que nós preencha de prazer ao ser absolutamente previsível. Todas as mudanças dentro da estrutura 4x4 da música são previstas na teoria musical. A eletroacústica surge para criar homens menos previsíveis. Ao romper com o 4x4, com a constância nos intervalos entre os sons e com a harmonia essa tradição erudita da música eletrônica queria mostrar que tudo podia ser música e que deveríamos ser menos enfeitiçados pela sua mágica, pensando na música como estruturante de um tipo psíquico específico de uma época.

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